Saturday, July 29, 2006

Carta de despedida

Despeço-me da vida com a sagacidade de um guerreiro, meus motivos são evidentemente fracos, assim como eu sou. Na vida nada mais faz sentido, na verdade nunca fez... Estou nesse barco há anos, estou em naufrágio porem agora o barco está totalmente afundado e não tenho mais para aonde correr.

Na realidade nós não nascemos fortes nem fracos, nem bons e maus, só nascemos, à vida se encarrega de nos dar a carapuça, não adianta mais esconder. Sou um filho do ódio, um garoto que chora enquanto o pânico me retalha, eu choro de amor, de falta de amor, não quero outra, quero você. Mas de todo não foi ruim, tinha tudo para ser péssimo, como às condições, mas deu para aproveitar, pequenos momentos, pílulas, ilusões, faces belas a passar pela rua, a roda de amigos a ressaltar o mau dizer sobre o mundo e a vida, com uma faceta cômica; e sarcástica. Tudo que aprendi, tudo que conheci as pessoas que vi, sorri em suas presenças.

Porem foi triste o resto, porque eu sempre fui provinciano ao extremo, na verdade me agrada ser pacato, nunca fui nada porque nem poderia, sem paixão, sem amor, sem expectativa, sem incentivo, só o mal a rondar, e mesmo renunciando o que mata, mesmo assim já nasci marcado.

O pobre nasce com data de falecimento pré-programada, o ódio com a minha gente é recíproco, é imenso, sou algo que o crescimento populacional criou, algo que as políticas errôneas criaram e depositaram o sofrimento entre esses estados divididos do constrangimento. Sou um acidente de percurso, que os ricos chamam ironicamente de “fracasso”, não pude almejar um futuro digno, pois no subúrbio não há dignidade. As historias são confusas, as noites inspiram temor, os recursos econômicos são escassos.

Na realidade o pobre só é feliz quando vê Deus, na paisagem paradisíaca que é o parque dos ricos. Nas roupas caras do shopping, por que, por que existi isso? Por que meu Deus somos diferentes?
A mim não compete fazer perguntas ou indagações, os fatos são esses, conforme-se, na realidade nem penso em discorrer nada a respeito. Nessa merda que vocês chamam de vida to a passeio, para a sorte de vocês. Seus ricos nojentos, suas promessas fedem, como o seu dinheiro sujo. Não tenho expectativa, porque vocês a compraram, e a mim cabe o direito de morrer.

Nesse pais o direito de morer é popular, o direito de sobreviver é uma humilhação que os ricos nojentos nos forçam a implorar. O direito de viver é exclusividade dos ricos, e dos alienados que não tem vergonha de serem humilhados. To no fim, este é o meu ultimo protesto, a ultima noite, o ultimo sonho com “um lugar bonito, filhos brincando no quintal, uma bela casa e uma mulher de traços suaves e cabelos castanhos”.

A tradição hoje será quebrada, os jovens se entristecem com demasiada facilidade, e na minha religião os homens tem de ser fortes porque a morte paira, pensando bem não é tão ruim assim, a morte para vocês é o drama cristão para os muçulmanos é só uma passagem uma quebra de barreiras.

Existe um lugar onde gente como eu é livre onde o sofrimento não existi, onde o racismo não é praticado, um lugar lindo, onde nós não somos olhados sobre olhares de repugnância e descrença, um lugar onde os barulhos são menos neuróticos, onde não há sirenes nem viaturas policiais nem briga de casais nem tiros disparados na maldade inocente da noite.Um lugar onde se é livre.

Faço minha passagem, não tem mais razão para insistir, não tem mais volta, já nem vale mais a pena voltar, me mataram, quando eu nasci, e agora só estão limpando o lixo que restou, que todo o meu ódio se transforme em amor e consolo a minha mãe, a única que me amou, que não me abandonou a própria sorte. Mas eu não tenho essa força, me perdoe mãe, mas daqui para frente a senhora continua sozinha, será melhor assim. Meu amor você foi à única que eu amei, mas a vida é deveras dura com quem ama e não é correspondido. Te amo, não foi culpa sua, nunca. Quanto a diplomas, já sou diplomado na escola da vida. Só que depois de formado você não pode mais permanecer nela. Triste não é mesmo, mas tristeza faz parte do pobre, o pobre nesse país é tratado como uma anomalia, um bicho, algo de outro mundo.

Há muito sofrimento na terra, vocês criaram, a mim só coube vive-lo, e tentar lutar contra algo que não competia mais a mim. Hoje não é um dia triste, pelo contrario talvez esse seja o dia mais feliz de alguém como eu, vou me libertar dessa vida de merda que só oprimi quem é diferente.

Peçam para os sociólogos esplicarem de onde veio isso, cambada de canalhas, há há, vocês se envergonha com a minha ira, a tal da Unesco,Onu ou Unicef. Não entendo essa mania de humanismo dos ricos, matam nossos filhos depois vão a mídia globalizada dizer que matam a fome dos miseráveis. Ironia, eu não faço sorrir, o problema é que agora também somos globalizados, essa merda de mundialização era só para divertir os seus filhos, agora que nós usamos vocês nos olham e dizem “ que merda que nós fizemos”. Mas agora não tenho mais tempo nem vontade para entra em discursos que vocês chamam de revolta de adolescente, o que importa é que quando vocês lerem essa carta; eu não estarei mais aqui, azar meu, sorte para vocês, quem sabe? Me dispesso dizendo não esqueçam das crianças, dêem algo para elas mas algo de imediato, não deixem que elas experimentem o lado esquerdo da vida, encham elas de amor e mimo, façam por mim, o ultimo favor. A vida é linda, mas todos necessitam continuar suas trajetórias nada começa nem acaba aqui, aqui, é só uma passagem, eu fiz a minha, como dizem os árabes Allahukbar “Deus é mais forte”.

Assinado: um sujeito qualquer, não fosse o fato dele se chamar Radamés e estar a seguir o destino que o mundo, a vida, o sistema impôs a ele. “A existência para nós é um esforço, um esforço de contentamento, um esforço de imaginação”, imaginem um mundo melhor, sempre .